Workaholic ou worklover: qual o limite do trabalho?
- Natália Tayota
- 16 de ago. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de ago.

Amor e obsessão. Sentimentos tão opostos que se relacionam e se confundem. A obsessão é um tipo de amor meio torto? E o amor quando vira obsessão, é o quê? No mundo corporativo, a cultura do vício ao trabalho é reforçada por discursos de RH que tornam o funcionário um “lover” da marca. O employer branding é meio moda e várias marcas têm adicionado o “lovers” ao final de seu nome para se comunicar com clientes internos e externos. Mas será que é preciso amar a marca para ser feliz no trabalho? O que as empresas e o capitalismo ganham com esse amor pelo trabalho? E quando a gente descobre que “não era amor, era cilada”? Aliás, quem é que hoje ama o que faz? O que mais tem é gente infeliz no trabalho! Por que será que tem tanta gente em transição? Se o trabalho é motivo de tanta angústia e sofrimento psíquico, principalmente nas gerações Y e Z, será que a gente tá escolhendo mal ou são os empregos que tão ruins mesmo? Qual a diferença entre ser viciado em trabalho e amar o que faz?
O que significa ser workaholic
O que é ser um workaholic? É alguém que está a serviço do serviço, servindo a um gozo que faz sofrer, que faz adiar o prazer. O workaholic é o cara que te manda e-mail de madrugada ou em pleno domingo e espera que você responda no tempo dele. Se ele está trabalhando até essa hora, por que você não está? Aí você pensa: esse cara não tem vida? Ele tem, a vida é o trabalho. Mesmo que ele nem goste muito do que faz, se sente obrigado a cumprir as obrigações que o trabalho lhe impõe, porque, afinal, é o seu trabalho, que mesmo meio sem sentido, é o que paga as contas. Para o workaholic não basta que ele sofra, os que estão ao lado também têm que sofrer. É muito difícil trabalhar com um workaholic. E se deixar, a gente também sofre e trabalha para responder a demanda do outro, no WhatsApp e na vida.
Quais são os limites saudáveis entre o trabalho e a vida? É certo que o trabalho é a condição da existência da vida material, mas será que é preciso trabalhar tanto? Trabalhar só para consumir gera felicidade? Existe felicidade no trabalho? A gente precisa sofrer no trabalho? Ou trabalho bom é o que não dá trabalho?

“Ame o que você faz e não precisará trabalhar um dia sequer na vida”! Será que existe a plenitude do trabalho feliz? E mesmo quem ama o trabalho, ama todos os dias? E quem não ama e precisa trabalhar, faz o quê? É comum que as empresas propaguem a ideia do "trabalhe com propósito". O amor e o propósito é aquilo que nos move, não é? Quanto vale o seu amor? Se o trabalhador vê sentido nisso, tudo bem! Mas se não vê, o sujeito sofre, sente angústia, ansiedade e fica improdutivo. Dá um vazio na vida!
É fato que o trabalho dá sentido à existência, mas quando o emprego é só sobrevivência, como faz pra dar sentido? A realidade da maioria dos empregos é triste, até na empresas que todo mundo quer trabalhar. Nas "melhores empresas para trabalhar" tem muito trabalho, muito mesmo! Em geral, as equipes são enxutas e o multitasking é a habilidade da vez. Com a sobrecarga de tarefas, muitas vezes nem dá tempo de pensar, mas responder a demanda de quem te emprega parece ser um pouco da sua obrigação. Em muitos casos, fazer banco de horas já tá imputado na função, aí fica difícil de saber se "ser workaholic" é um imperativo do mercado ou se a pessoa tá fugindo de suas questões se afundando no trabalho.

Tem gente que acha que ser workaholic é uma qualidade e uma espécie de elogio. A pessoa fala que é workaholic como se fosse bom se equilibrar na vida pra dar conta de tudo. E esse dar conta de tudo pode virar palpitação, respiração pesada, problema no coração...
Faz parte da nossa tradição filosófica cristã achar que o trabalho é o que traz dignidade à existência, porém é justamente daí que nasce a cultura da produtividade e da performance. Eu sou digno de existir? O que estou produzindo? Existe um excesso de produção que pede cada vez mais produção. É preciso produzir! Produzir o quê? O que é que se produz quando o trabalho é alienante? Aliena-ação? Um trabalho que paga contas mas não gera prazer, gera o quê? Um monte de coisas. Gera tédio, bode, preguiça, falta de vontade de levantar da cama e a falta de pertencimento, que as empresas tanto lutam para conquistar nas campanhas #orgulhoempertencer. Pertencer parece só discurso de firma, mas é real. Sentir que pertence traz significados e sentidos pra vida.
Então quem trabalha se sentindo pertencido, pertencido sobretudo a si mesmo, não sofre com as extenuantes rotinas de trabalho? O amor ao trabalho estaria restrito apenas às profissões vistas como essenciais ou ligadas ao cuidado? Quando a pessoa acha que tem a missão de salvar a vida do outro, é diferente da que só quer bater a meta de vendas para ganhar o bônus? Ser um #worklover é conseguir sentir prazer no trabalho e, às vezes, também abrir concessões para uma falta de limites? Em nome do amor tudo se supera? Então, neste caso, seria possível conceder-se pelo amor à profissão e não por obrigação como os #workaholic?
Ter um propósito é o mantra do pessoal do RH. Às vezes, o propósito da empresa se torna o propósito de vida de quem a lidera, acontece! Mas pra quem não tem propósito, qualquer propósito serve? Que seja a atividade-fim da empresa que o emprega. Propósito é algo que se cria ou já nasce sozinho? O que seria o propósito? Seria essa pergunta - difícil de responder - a maior promotora de sofrimento psíquico da atualidade? Qual é o propósito do meu trabalho? O propósito pode ser funcional e situacional, pode não ter propósito nenhum ou pode significar a razão de existir de alguém. A maior diferença entre o worklover e o workaholic seria o orgulho de ser quem se é? O que é worklover e como se diferencia

O worklover se sente orgulhoso do que faz e por isso faz a mais, e o workaholic faz mais porque acha que tem que fazer? Como todo vício, há um ciclo de repetições não pensadas, o workaholic se sente impelido a responder às obrigações que ele mesmo cria para si. Os rituais obsessivos no trabalho atrapalham não só a convivência profissional, mas a vida pessoal também. E pra piorar, os novos métodos de gestão favorecem ainda mais nossas tendências neurótico-obsessivas, é o tempo dos post-its, dos modelos, dos rituais. Uma empresa se faz de ritos, mas nós precisamos desses ritos?
Parece que tudo isso está na escolha profissional. Os que amam escolheram melhor porque bancaram o seu desejo. Já os que escolheram só por escolher, tão aí na sofrência buscando o que desejam para poder encontrar o tão falado propósito no trabalho. Na hora de escolher nosso trabalho, mais vale nosso desejo ou as tendências de mercado? Talvez as tendências só sejam tendências, não dá pra saber. O que dá para saber é que o desejo não realizado volta para o corpo em forma de sintoma, de workaholic, inclusive. Então por quanto tempo você vai continuar negociando com seus desejos?
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